quarta-feira, 17 de junho de 2009

Polônia ilustra o desafio de reduzir o uso do carvão

Valor Econômico, 08/12/2008 Daniela Chiaretti, De Konin, Polônia

Os movimentos lentos dos três cisnes dão tom idílico ao Ostrowskie, belo lago de uma cidade de veraneio na Polônia. Mas uma espiada mais atenta revela coisas esquisitas. O toboágua vermelho pelo qual deviam deslizar os banhistas dá direto na areia. O aviso de "Não pule na água!" ainda está pintado no chão do cais alertando para o risco de acidente. Até 2000, ali era um ponto raso. Agora não há mais água, só terra. O lago sumiu.
Cisnes e água estão alguns metros adiante de onde costumavam estar. As águas baixaram 1,5 metro em oito anos. O lago original, de 350 hectares, perdeu 50 hectares e ficou dividido em dois, conta o morador Josef Drzazgowski. Ele, que nasceu e vive no vilarejo de Gniczno, em Konin, não tem dúvida de quem é a culpa. "A mina de carvão e as usinas termoelétricas da região vêm tirando água para resfriar as turbinas. E o lago está secando", acusa. Drzazgowski, que também preside a associação de moradores da região, diz que há lagos por perto onde a água baixou até 7 metros. "A empresa diz que a culpa é do aquecimento global e dos turistas", continua. "Mas como pode ser? Os turistas levam água quando vão embora?"
Drzazgowski está certo de que o fenômeno é responsabilidade da empresa que explora minas de superfície na região e de seus clientes, três termoelétricas estatais que geram 1.800 MW cada. Fornecem energia à região e são a principal fonte de emprego local. Ele suspeita que a água dos lençóis freáticos também está sendo usada. "Há outro lago, a 10 km daqui, na mesma situação", continua. Antes, diz, a região de Konin tinha 2.600 hectares de água, entre lagos e canais contínuos, e agora o sistema está todo fragmentado. O turismo tem diminuído, há mais desemprego.
"Não sabemos o que está acontecendo", diz Janusz Wisniewski, chefe do Instituto de Meteorologia e do Departamento de Água de Poznan. "Precisamos pesquisar mais." Konin, diz, está se transformando em um lugar árido. "A produção agrícola local vem sendo seriamente afetada pelos problemas de escassez de água, e isso certamente não tem nada a ver com a mudança climática", continua.
A polêmica acontece a 142 quilômetros de Poznan, a cidade que sedia a 14ª conferência da ONU sobre mudanças climáticas. Virou um caso emblemático. O Greenpeace instalou ao lado da área onde ocorre a exploração de carvão a Estação de Resgate Climático, uma estrutura de três andares e formato redondo, representando a Terra.
"As negociações em Poznan estão sendo desastrosamente lentas" diz Bart van Opzeeland, do Greenpeace Internacional. "Se os governos não concordarem logo, este processo pode se arrastar por anos. Não temos este tempo".
Na semana passada, cinco ativistas do Greenpeace escalaram uma das chaminés da termoelétrica Pantnow, em Konin, para pendurar a faixa onde se lia "Desistam do carvão, salvem o clima". Ficaram lá, a 150 metros do chão, por 50 horas. "Queremos ver um sinal claro da Polônia de que o país leva a sério a decisão de se afastar do carvão. Mas, pelo contrário, eles estão bloqueando a adoção de um plano europeu para cortar emissões", disse Gavin Edwards, chefe da campanha climática do Greenpeace.
Ambientalistas se referem à Polônia como a "China da Europa". Praticamente 93% da matriz energética do país vêm do carvão, tido como o mais sujo dos combustíveis fósseis. O país, segundo relatos, é um dos que breca as negociações na União Européia. A Polônia tem bloqueado a tramitação na UE de um pacote climático e energético que estabelece, entre outras metas, reduzir as emissões de gases-estufa entre 25% e 40% em 2020, segundo os níveis de 1990, e ter uma fatia de 20% de fontes renováveis na matriz energética em 12 anos.
A diretoria da mineradora diz que a empresa está em Konin há 60 anos e que o Greenpeace está sendo oportunista. "Eles nunca fizeram nada do gênero na Grécia, que produz as mesmas 16 milhões de toneladas de carvão por ano que a Polônia", diz Arkadiusz Michalski, porta-voz da mineradora. "Somos pequenos poluidores comparados a outros países", diz. "A maior parte da poluição vem dos países que estão a oeste [a Europa ocidental], é uma questão mais deles que nossa". E continua: "A Polônia ainda não está pronta para as energias renováveis." Ao lado da mina, três torres de geração de energia eólica não giram, numa metáfora concreta do que diz Michalski. Elas aguardam licença para funcionar.
O discurso ambíguo do país anfitrião da conferência tem a ver com a herança menos moderna e tecnologicamente avançada das nações do Leste Europeu. Migrar para fontes de energia mais limpa, em casos como este, custa muito, argumentam funcionários do governo. Tecnologias que procuram seqüestrar o carbono que as termoelétricas a carvão jogam no ar - e que estão sendo buscadas em várias partes do mundo, inclusive no Brasil -, a chamada CCS, ainda não existem em escala comercial.
A geração de energia por termoelétricas a carvão no mundo responde por 11 bilhões de toneladas anuais de CO2, o principal entre os gases-estufa. Isto significa cerca de 1/3 das emissões globais desse gás. Os planos de construir mais térmicas a carvão no mundo vão na contramão do que sugere o IPCC, o braço científico da ONU - as emissões mundiais de gases-estufa têm de atingir o pico até no máximo 2015 e depois despencar para evitar que a temperatura da Terra suba 2°C até 2050, num dos piores cenários para o clima.

Fonte: REDETEC

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